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Showing posts from 2009

Chuva a galope

a chuva que caia ontem, cavalos soltos do céu, molhou-me a terra , desenhou pegadas em mim. Embalada pelo vento A chuva tinha crina longa, relinchava às luzes da rua, galopando contra o chão. Queria eu pegar em cada gota pelo freio e sentir-me livre como a chuva é de cair, e de nos inundar a casa. mas para que serve a liberdade, quando nos leva a corrente, e deixamos de respirar o ar que embalou ontem a água? A chuva não me entrou em casa, e fui muito menos livre, que os cavalos que galoparam a noite inteira.

Mar

o supremo ladrão de alma não é Deus o criador é o reflexo do céu onde mora..é o mar. Justo na força suprema, ondula ao ver-nos defenhar, na finitude da máres, e devolvo-nos os corpos, para também ele, chorar por nós.

Saudades tuas...seja lá quem fores

tenho saudades tuas desde que partiste, fechaste a porta e saiste por onde havias entrado. Dizem-me os vizinhos que ainda moras comigo. Que sabem eles da nossa casa da nossa cama e sofá?? De nós sabem apenas, o gato da vizinha que nos ouvia, à janela antes de cair no esquecimento do sono. e o cão vadio da rua que coxo andava pela calçada como nós falávamos um para o outro pedra contra pedra, chão contra chão. Tenho tantas saudades de ti, da tua voz suada no verão, do gelo do teu beijo invernoso, e do sabor a café dos teus olhos, tristes, cansados de me amarem enquanto subia colinas descontentes, rio de euforia perene, cascatas que me engoliam vivo. Perdi-te porque sou nervo, sou carne e osso, e porque conheces o quanto te quero, mesmo quando o nego...

Voz de papel

Quantas vozes vossas trago debaixo do braço Como jornal amarrotado, dobrado incessantemente? Esmola e pão escasseiam em meus braços e apenas inquietação escorre das minhas mãos. Pesam-me tanto que vos trago de rastos, pelo chão, a rastejarem pelo fosso do pensamento, purgatório de vidas vitímas de fraude, vitimas e culpadas de crimes destinados. Aqueçam-se em meus pêlos arrepiados, em pele tingida das letras impressas, mas não procurem lenha para se queimarem, ou fogo para vossos corpos cremarem. Subam por mim acima, como montanha escarpada, como gato amedrontado foge do cão, ao cimo de telhado inclinado que o atira de lá para o meio da rua, estendido no chão. Se abrir os meus braços, vossa voz cairá no vazio dos olhos quotidianos que vos ignoram sentados no vão de escada, em parede muda em vida que morre, e morte sempre oculta.

Embriaguez

Bebâdo, toda a consciência fica na garrafa. Embriagado de alcoól para as feridas, do líquido etílico, que nos guia em viagem sem preço ou apeadeiros, somos maquinistas, andamos a cavalo em nós, somos carruagem e cela, pneu e curva perigosa. Bebo à felicidade, daqueles que falam comigo em finais de noites dormentes com olhos semi-cerrados com os cabelos desgrenhados, e a roupa suja de pecados revelados gole ápos gole, choro após choro abraço por estarmos sós dentro de nós, cansados de sermos copo vazio e rolha pronta a saltar.

Sempre?

o que é para sempre? A nossa vida? Quero ir primeiro que vocês todos sonhadores insensatos, e não me fechem portas, porque sou fantasma no meio da multidão, sou musgo nas arvóres chorosas sou sombra solitária nas paredes sujas, sou ausência e corpo inteiro, necessidade febril de me sentir longe de ti, que és tudo, e eu nada, apenas longe. porquê para sempre, quando o sumo da fruta, é bebido no momento em que colocamos o mundo na boca? Bebe-se tanta coisa, e o agora passa-nos pela língua como o vento pelos cabelos, como a estrada veloz pelos olhos, e nem a acidez do tempo sentimos a passar-nos pelo estreito da existência.

Quando nasci...

no dia em que nasci, já se tinha anunciado a Primaveira, em plenos pulmões de Abril por entre flores e espingardas, e abraçados exilados de casa. no dia em que nasci, era o quarto dia de Abril, o dia em que a canção maquilhada em pó de arroz, pressentia um silêncio póstumo. No dia em que eu nasci, no ano anterior a isso, quebrara-se o elo do amor, por entre atmosferas digitais, de almas mortas em desordem. No dia em que eu nasci certamente nesse e noutros dias, a glória passeou-se em campo, vergando com dança de pés, quem em queda lhes impedia o andar. No dia em que eu nasci, se para mim foi o primeiro, para outros que não conheci, e lamento que assim tenha sido, foi o último no inicio de novo caminho.

Nudez

a tua nudez fere-me a pele como arma disparada às cegas, nudez afiada nas ancas que me cortam a pele enleado entre elas. Deixas cair a roupa, as muralhas do castelo em pó. Ombros que se destapam Arqueiros a sucumbir, Peitos descobertos, em feridas de coração expostas Perfil de linhas planas Com elevações para precipício. Formas escondidas que se revelam no escuro Frio em calor de corpo Trémulo e desejoso de cair. Pego ao colo o peso, o corpo que deixará de ser estende-se na cama o nú que deixará entrar a felicidade. A tua nudez cura-me dos males do mundo da incerteza da vida e acrescenta-me uns dias ao calendário.

Verità

não fales a verdade, foge de ti e dos outros. a verdade é como gelado frio nos dentes, apetece lamber, mas escorre-nos pela boca, enquanto levamos um estalo por olharmos para uma mulher alta, montanha em saltos altos, escadote directo à estrelas sem cauda, última folha de árvores de cabelos soltos. a verdade é descer as escadas pelo corrimão, pelo limbo da existência, pela berma da estrada, ser comandante em convés de fé, e abandonar o barco, apenas quando morrer tudo no que acreditamos. a verdade é não saberes ler uma única palavra, e creres que os murmúrios do outro lado da parede, não são mais que consoantes perdidas de amor, vogais dadas à sedução, e que depois de apagada a luz, no silêncio entre vírgulas jamais se conhecerão. a verdade é sonhar em ter o mar no bolso, onda após onda em maré alta puxando-nos as pernas em maré baixa decalcando-nos nas rochas as ossadas da erosão ressequidas, quais conchas de espuma, fosseis sem pérolas, corpo sem calças onde guardar a verdade. E nus,

Roupagem

Dobro as palavras sempre na gaveta de cima. por ordem alfabética, para de manhã não perder tempo a escolher o que vou dizer nesse dia. As palavras vestem-se sem esforço, e uso-as por fora da boca, marginais, evitando que se sintam amordaçadas no cinto apertado dos dentes. Nas ruas de hoje, pessoas passeiam-se com palavras um número abaixo do seu corpo, apertadas, asfixiadas, robóticas, tentando planar sem rasgar o tecido das frases. E essas revestem-se cada vez de menos tecido, Expondo em demasia as fraquezas do corpo, sofrendo o desbaste de nocturnas florestas ocas, negras como madeira podre, queimadas em cinzas. E pior que não haver palavras em árvores, é só haverem as mesmas árvores, o mesmo oxigénio rarefeito salivado, a monotonia mental do vento que bate constante. Imagino o dia em que andaremos nus de palavras, pelo menos daquelas que nos soam mal, que são botões maiores que as casas, e que não cabem dentro de nós.

Banheira

Se fosse uma banheira afogar-te-ias em mim? Fecharias o ralo, para que nenhum de nós pudesse fugir na espuma da água quente...? Na nudez a água fria faz melhor à circulação...!!

Corda no chão

Prendes a corda À volta do pescoço e respiras como podes... Sentes-te imóvel... "É hoje que me vou". Dizes... Vejo a imobilidade... "É hoje que se vai" Penso eu... Olho para a cadeira Que lhe apoia os pés... Um, dois, três... Mira-me de cima Uma, duas vezes, De alto a baixo. Para bem alto vai, assim que o tacto dos pés, não sentirem o fim do chão. Sorri uma última vez volto a contar...1,2,3. Pé na cadeira. E hei-la no chão...

A Ti

A ti obrigado... Porque o mar é pouco, E a terra barrenta, Para pintar o que és... A ti obrigado... E a ode é triunfal, Vitoriosa na essência, Do beleza que és... A ti obrigado... Sem que precises, Ou te peça, Um agradecimento. A ti obrigado... Pelo não sofrimento, Pela ligeireza de pensamento, Expresso livremente ... A ti obrigado...

Depois de TI

Apetece-me cair, Cair, para me levantar. Comer pó Para o detestar. Rasgar a carne das mãos, Esfregá-las de dor, E perder a consciência Num lento esquecimento. Tentarei sonhar, Depois do acordar. Sonhar com tudo Enquanto andar. Correr a mente Sentado num jardim. Perceber o porquê De me estar a rir. Quero-me beijar… E nos lábios do mar, Sentir na saliva de espuma A língua a amargar-me. Não…Darei a uma mulher Pedra em flor, Em cheio nos olhos Em troca do coração. Que lavarei com a chuva Que me cai no corpo, E que me rega as costas Por entre a roupa seca. Apetece-me fugir Para me encontrar contigo Talvez à noite, Ou num dos dias do mês. Prometo agarrar o tempo, Para o deixar partir Nas horas que mais Custam a passar…. O silêncio Que me fará Sempre, Depois de ti falar.

Um tronco da árvore Genealogica

Hoje fazes parte na minha genealogia, E daquilo que construímos por entre inundações, Prego tortos nas paredes e cimento que se perdia na humidade pungente. Nasceste virado para oeste do paraíso, Trazido por costas unilaterais, sozinhas na mistura das horas, Que em cada minuto anunciavam que irias crescer antes do tempo da gestação. Pensei para mim, que flor se criará em solo tão árido, Em semente tão pouco amada quando deitada no punhado, De terra que nos serve de morada na hora da solene criação? Podias ter sido cardo, erva ou giesta brava, Tal era a dureza da enxada que te vergava o sorriso, E que te impedia de perceber que eras mais que nada, eras amor. E hoje que és mais que flor, uma árvore, Que abrigas há sombras dos sobressaltos, antepassados e recentes transeuntes, Sei que as tuas raízes se abraçam na certeza, de que o melhor dos ventos te soprou. O teu fruto merece que sorrias, Como quando ainda em caroço te adormecia, Ao som da voz que me falta, sempre que nos toca