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Showing posts from 2011

Amor Ondulado

Vi duas ondas a fazerem amor no encher crescente a maré Sem me aperceber do seu sexo a mais viril pegou na outra pela cintura, colaram-se e subiu-lhe para cima penetrando-a enquanto cresciam no horizonte. No vento declarado de testemunha vinha a voz da onda penetrada que se acercava da praia suspirando ao longo da água. Aquele ritual marítimo Sexualmente salgado de hipertensão terminou quando a onda fálica ejaculou espuma para a areia aos nossos pés. Despediram-se sussurando, sem um olhar, Confessando às gaivotas promessas de um retornar.

Folha em Branco

A folha onde mais escrevi É talvez de papel, Ou parede pintada de fresco Que permanece em branco. A sua cor lembra-me Uma grinalda de noiva Imaculadamente clara, Claramente pura. Pálida como pele sem sol Gelo sempre à sombra, Granizo que derrete Com o calor da tinta. Branco é a cor das asas Das gaivotas silenciosas Que mergulham do céu Directamente para o mar. Branco é o mármore dos dentes E o azulejo dos olhos tímidos Que se protegem Na escuridão das pestanas. Branca é a folha É o papel, e a parede Segundo parece pintada de fresco Que escrevo na minha memória.

Terra Quente de Sufocar

Mesmo que hoje não corrêssemos, ou ficássemos sentados a d igerir os instantes num copo de café, em nós cairiam gotas de suor quentes transvestidas em roupas de chuva, oferecendo seus lábios quentes molhados em troca de uma estrada abrasiva onde pudessem evaporar. O céu é agora uma cidade, é um prédio cheio de pessoas a acenderem e apagarem suas luzes, é o som de passos distanciados que convidam as finas paredes de algodão para dançar ao ritmo da chuva que cai. Cheira a terra sufocada, como se tivéssemos as mãos no pescoço, como se as nuvens do céu, fossem panos a tapar-nos a boca e o ar respirável fosse apenas humidade temporária e prestes a voar. Quando um dia me deitar no chão, espero que a terra cheire como hoje, que use exactamente o mesmo perfume.

A todas aquelas

De uma nasci Com outra cresci Com ela me deito O mundo pode fazer-se de homens, da sua voz e sangue, mas eu pertenço a elas. Cresça em mim nova costela por cada uma delas que eu veja partir Deus veja em mim um novo Adão para plantar no meu jardim Evas como elas.

4x7=Escola

Não me leves à escola, Onde não me conhecias, Estrangeiro, ausente. Sabia pelas manhãs a que horas o sol Te cumprimentava, e em que minuto Se despedia de ti, pelo portão sem retorno. Anotava todos os teus passos Para logo os repetir, rotineiramente, Calcando-os, tropeçando em ti. Não me vias, nunca me viste, Mas também o sol só vê ao longe a lua E por isso mesmo são amantes. Não me lembres a sala de aula Onde de costas memorizava o teu rosto, E as letras do teu sorriso. Mordi em silêncio a tua voz, E a cor de especiaria do teu cabelo, Que cheirava no vento aos passares. Agora já olhavas para mim E não me conhecias, era eu castelo, E tu Rainha de reino distante. Eras estrela de constelação inabitada, Guia da minha missão, norte do meu sentir, Nascimento de vida em mim. Não me leves a lado algum... Fecha a porta e não deixes o tempo entrar, Está frio lá fora no mundo. Deixa-me esquecer contigo, até ao dia Em que voltar à escola, à sala de aula, Onde para te ver terei que sonhar.

Escolher

Se fosse um mês escolheria aquele em que fizer mais calor no teu corpo... Se fosse uma hora do dia, seria aquela em que teus olhos fechados, essa que não partilhas com mais ninguém Se fosse um ano... pediria para ser o da tua morte para começar a viagem antes de ti. Se fosse uma vida... escolheria a minha para a puder viver contigo...

O amor é...

Nunca o amor é veneno, mesmo o intravenoso, e se no rótulo diz inflamável só queima a quem já não tem pele. Amor é bala, Disparada para o ar para matar quem rouba a fome que nos alimenta. Amor é electricidade, sem ser estática, porque os lencóis denunciam os caminhos que percorremos. Amor é silêncio, sem língua ou dicção, e sem cordas para cantar soletramos a escrita da mão. Amor é acabar... partir na hora de chegar rir para não chorar escrever para a tinta não secar. Amor é não dizer mais nada...

Poema de fim de ano

Última folha Rasgada... Chega mais um comboio, Cheio... Entram sonhos por viver Sai quem não os viveu. Inicia-se a viagem Carris somam dias Janelas acrescentam oportunidades De distinguir o que passa por nós Amanhã, Não se rasgarão calendários, Obliteram-se desejos, Que nos remetem para momentos Onde lutaremos para existir.