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Showing posts from 2008

Cigarro ao Sol

Deixa-me enrolar a onda numa mortalha de um cigarro. Mas eu não fumo, nunca fumei sal ou praia, mas creio-me onda, e isco para peixe, ou espuma para areia, em cada onda que rebenta, nos pés que se afundam, na ponta escura da praia, onde as gaivotas se escondem para namorar com as dunas. Enche-me a vista com um copo do creme solar que nos lambe. Tenho tanta sede que cego, na superficie do teu corpo, como se pisasse um deserto de pele, ou construisse um jardim de sufoco. Que falta de ar sedenta, que nem a água extingue, nem o oxigénio incendeia. Põe-me à sombra senão morro, ou melhor,põem ao sol para que volte a nascer do fogo porque as cinzas já as depositei no mar, e esse... fumei-o no meu cigarro.

Condição Humana

É declarada morte à nascença quando são-nos lidas as premissas da nossa condição humana. Humanos obrigam-nos a ser, sem nunca constatarmos que o somos à condição . Suprema maldade materna, o nascimento para a ilusão de um dia pudermos decidir que humanidade temos nas mãos.

Vai e Vem

Vai e vem como o mar de Gainsbourg . Vai e vem em nave espacial pilotada pelo Armstrong . Vai e vem... o baloiço de Sá Carneiro que começou a dançar... Vai e vem, em estações de rádio sincronizadas com frequência. Vai e vem, no varrimento da imagem a mil e duzentas cores. Vai e vem, em títulos de jornal disfarçados de real. Vai e vem o frase de Euripedes que nos mata a esperança. Vai e não volta a crença da juventude dos retratos de Wilde. Vai e vem a dor do poeta fingidor que jamais sentiu dor Vai e vem… Vai e vem… Vai e vem…

O livro de ti

És um livro que ainda Não acabei de ler. Leio por dia, A mesma página cinco vezes Cada frase outras dez e releio as palavras até quase as apagar, Misturo singulares e plurais, verbos e nossos nomes, para me enganar, para demorar, reler e revisitar cada silába acentuada. Fosse eu incapaz de decifrar Cada vocábulo impresso, ser estrangeira a língua, ou eu pensar que é. Finjo para mim, Para não lhe pegar porque se o acabar, o que restará de ti? Sei o que fazer. Mil copias farei, títulos novos darei, e novamente o mesmo livro lerei.

Andorinha

Se eu precisar andorinha,.. De antecipar a primavera, Vens a planar ligeira, contrariar a orbita das estações? Ao menos pudesse andorinha, Impedir-te de emigrar, Criar-te um ninho caiado, à sombra, para sempre o teu lar... Se não voltares És mãe que não chora, És salina seca...

Baixa Tejo

Não respiro Lisboa há algumas marés. desapareceu a magia juvenil das conversas vespertinas com um Tejo amigo. Pensei em mascarar-me de peixe e viver apenas do ar do rio. Asssim talvez as saudades fossem apenas gotas de oxigénio.

Sol Quente

Sol quente que nas costas bates, torna-te supremo, no coração dos esquecidos, que te adorariam como ouro. Sol que talhas o caminho, e queimas as mãos dadas, retira o oxigénio ao silêncio nocturno das forças. Sol da minha vida, criação mais sublime, não mates os da minha espécie, deixai-os sonhar ao acordar. Dando-lhes a faculdade de acreditar, mesmo em dia de chão nubloso, ou de chuva que lhes dissolva a vontade de te receber de manhã.

Silêncio Postumo

A beleza de uma música... é o silêncio perpetuo, entre a morte de uma melodia e o seu renascimento noutro corpo. É momento esmagador, parede contra parede, a reduzir o coração, a um bater... Constante de asas em evasão. Parece terra engolida em seco, ou pele lavada em enxurrada, de sismos sensoriais, que cremos que nos pertencem. A beleza é que... nada é nosso a não ser o silêncio.

Pensar

Pensar cansa, e como tenho pensado... ! Talvez por isso esteja tão cansado. Pensar rouba-me horas irrecuperáveis, e chego a pensar que por isso não vivo. Pensar entristece, e ando triste de querer pensar. Ando sozinho, cada vez que penso E mais sozinho estou quando o deixo a pensar. Pensar aproxima-nos da unidade, com a morte a ficar mais perto, e assumo num pensar para dentro , que será essa a razão do nascimento. Sei que cada pensamento é um divagar do relógio que não para de girar, e não tarda estou certo... Deste pensamento nada restará.

Diferente

Somar à minoria, Ser zero à esquerda, última casa decimal. Reescrever o resultado final, o conjunto, ou as partes. Ser apenas desigual. Dividir entre extremos Sem nunca desenhar um centro, ou interceptar paralelas. Fazer a diferença, sendo apenas diferente.

Estranho

Também eu sou estranho também eu sou pessoa que me refugie numa asa ou em rua de enganos Sou estranho ao ponto de estranhar que outros mais enganados que eu não façam da rua, casa. Sem dúvida, creio-me enganado se temo a mãe dos outros e admito que estranho não conhecer a minha... Mas que assim seja... Vejo-lhes os corpos tão magros Que provavelmente estranham A acidez do leite materno.

Pertencer

Porque o vermelho nos une Em campo de batalha, Mais que marca de sangue, família e existência permanente, Constante, como marés, Foco de grandeza, nascente, crescente e hipodermicamente tatuada e presente. E se as palavras são, para nós mais que erros, ou pronúncias incorrectas, no tempo da escrita, Agradecemos a quem, nos ensinou a pegar na caneta, e nos fez assinar em consciência um vínculo com a pertença.

Jardim

Não é este o jardim que me prometeste... penso no esboço elaborado, rascunhado a mãos barrentas, e sobram pequenas cinzas, e raizes apodrecidas. Prometeste-me flores, imitadas no cheiro, plasticas às cores, imperceptíveis ao toque, Maleáveis à chuva, invisíveis às pegadas mortais dos indesejáveis amantes de petálas murchas. Porque falhou o plano, terreno, pouco imortal, divino e muito carnal, escrito em papel vegetal? Será do fertilizante, da míngua de sol, humidade relativa, subjectiva, ou do terreno perene? Não é o jardim, não. nem quintal, ou parcela, e a promessa ficou-se por relva em decomposição.

Mão Vermelha

A minha visão do amanhã é um final de almoço, sobras de pele e osso, e algum alcoól ébrio... É agora a mão esquerda Que me apoia a cabeça... No final da digestão Compulsiva das ideias Dos pratos vazios. É como se a mão direita fosse um parceiro abstracto desconhecido de mim, ou algo que se separa com um golpe de foice, Qual seara já seca, trigo mal amanhado, ou feno partido ao vento num campo deserto, entregue à rapinagem. O meu amanhã.... é feito de bolsos desfraldados Punhos embandeirados, Vermelhos de cobiça, Das liberdades que foram para o lixo.

Carnaval

Por entre facas e garfos E serpentinas de sereias, Voam bolas de sabão dançam entretidos palhaços Oiçam os cordas a chamar.... Há abraços a voar E braços a esbracejar, Pernas lentas a rebolar em beijos eternos gelados. Agora são flautas a sussurar... Cada voz perfila-se Mutila-se e suspende-se Qual multidão premente Prestes a silenciar a rebelião Tambores a marchar, a zumbar... Desfilam homens assexuados, Mulheres nuas na intimidade, Sem o espelho do preconceito Do público embriagado. Estalam copos e garrafas... Este é o Carnaval das gentes, a alegria utópica do povo, A soma de químicos e sorrisos, que disfarçam o quotidiano. As sombras dos fatos devolvem a noite ao céu...

Ruína

Somos prédios em ruína... De tinta maquilhada, quais jardins de poeira... colhidas pelas mãos duras de um pedreiro cansado... Somos prédios em ruína... Onde nem as fachadas caem, nem as portas se abrem E as janelas escondem A fraqueza dos alicerces. Somos prédios em ruína.... Alguém que nos construa, E nos ergua dos escombros. Pegue no entulho... E junte os pedaços num... Cuidado...Perigo de derrocada .